quinta-feira, 18 de setembro de 2008

(2008/9) Símbolo em Croatto - Fenomenologia da Religião ou Teologia?

1. Conceito relevante para a Fenomenologia da Religião, o símbolo consitui um tema delicado. Tenho dúvidas quanto à procedência da definição com que Croatto trabalha em sua Introdução á Fenomenologia da Religião.

2. Croatto se aproxima do conceito de símbolo, ladeando-o por meio de uma aproximação aos conceitos de metáfora, alegoria e signo. Bem, metáfora é uma "comparação forte" - em lugar de eu dizer "esse homem é bravo como um leão", eu digo, mais diretamente, "esse homem é um leão". A alegoria, por sua vez, consiste num dizer novo como se sustentado por uma base escriturística antiga - não é por outra razão que está relacionada, na origem, à interpretação "folosófica" da tradição grega, tendo por "critério" o risco a que se submeteu a crítica filosófica de Sócrates, bem como sua condenação à morte. Trata-se, pois, de dizer coisas novas, como se fossem aquelas antigas - para as fazer, a essas coisas novas, críveis àqueles que crêem nas coisas velhas. Já o signo, por sua vez, consiste numa presentificação da idéia evocada - uma logomarca, por exemplo, ou o desenho de um chapéu na porta do banheiro de uma repartição.

3. O que há de comum entre metáfora, alegoria e signo é que tanto quem usa, quanto para quem se usa, conhecem a coisa simbolizada e a figura ou a idéia simbolizante. Se eu digo "esse homem é um leão", e não sei nem o que é homem nem o que é leão, então não disse nada. O mesmo vale para a alegoria e, ainda mais, para o signo.

4. Ora, Croatto quer-me fazer crer, que, contudo, o símbolo, diferentemente da metáfora, da alegoria e do signo, remete-se ao "desconhecido". Que ele mesmo o diga: "o símbolo diferencia-se do signo, tanto quanto da metáfora e da alegoria, por 'remeter' a algo desconhecido'" (p. 98). Na seqüência - "no âmbito da experiência religiosa, o não-conhecido em si, como é o Mistério, é captado, experimentado, intuído, no claro-escuro do símbolo". E, ainda, "o símbolo, profano ou religioso, supõe vivências conscientes e autoconhecimento" (p. 99).

5. Já o disse uma vez - quando a Teologia investe "sobre" o símbolo, não poucas vezes acaba por instrumentalizar o conceito - resultado, perde-se a Teologia, perde-se o símbolo. Veja-se o caso clássico de Paul Tillich. Em Dinâmica da Fé, ele afirmou que "Deus é símbolo para Deus". Aí, vejo duas inconsistências - uma própria de Tillich, e outra em relação ao símbolo como remissão ao "desconhecido". Na fórmula de Tillich, o sujeito teológico sumiu. A fórmula sustenta-se, apenas, por meio da "Divindade" e do "Símbolo". Mas nada se fala do sujeito religioso que intui o que, para ele, sujeito religioso, é a "Divindade", e que, também ele, criou, inventou, imaginou, o "símbolo" para aquela "Divindade". "Deus" (na fórmula, o segundo termo) é tão concreto e conhecido, para Tillich, que ele mesmo, teólogo, pode desaparecer, ao dizê-lo. Está-se aí, diante do Ser, Ser esse que se põe, que é sozinho e por si só - pura proposição teológica! -, ao passo que o crente, sujeito teológico, converteru-se em contingência desprezível e dispensável. Tillich, aí, é o contra-Feuerbach, o anti-Feuerbach, para quem Teologia é Antropologia. Para Tillich, esse, da fórmula, a Teologia dispensa a Antropologia.

6. Ora, e como Croatto pode afirmar, então, que o símbolo remete ao desconhecido? Se há algo desconhecido, sequer pensar nele é possível, quanto mais simbolizá-lo - nem mesmo é sabido se há algo desconhecido. O que Croatto chama de desconhecido, na verdade traduz a consciência teológica da existência do "Divino", que, nos termos da crença teológica, é de tal ordem - o Totalmente Outro - que, malgrado se revele (instrumentalização teológica da FR!), mantém-se ocultado (escrúpulos de conciência da teologia crente). Não há nada de fundamentalmente desconhecido, aí - pelo contrário: sabe-se, conhece-se a "Divindade", conquanto, com esse "conhecimento", co-surja a "revelação" de que ela, a "Divindade" é incomensuravelmente Maior e Além do que o "símbolo" pode dizer.

7. Eu diria que, aí, nesse arrazoado de Croatto, abandonou-se a Fenomenologia da Religião. Quem fala aí nem é - mais - Croatto: é a Teologia, Idéia encarnada, que, sem que disso se dê conta o sujeito teológico, é por ela arrastado na defesa dela. Não é boa essa FR. Conseqüentemente, para mim, não é boa, tampouco essa Teologia. A má FR nunca será tampouco boa Teologia. A má FR é o que é - má consciencia científico-humanista.

8. Se o sujeito religioso aplica símbolos a uma grandeza dada, é porque ele sabe que símbolo usar, que símbolo é adequado. Ele "sabe", ele "conhece", ele "vê" - ele até "ensina", "reproduz". Conquanto, naturalmente, não haja nada aí para ser "sabido", "conhecido" e "visto" que não a própria interpretação desse sujeito. Como o sabe Croatto - "o lugar da hierofania é, na realidade, o próprio ser humano" (p. 60). O símbolo é o laço do passarinheiro, com o qual o sujeito teológico captura sua presa. Presa sua e sua criatura.

Osvaldo Luiz Ribeiro
(Para as citações, cf. José Severino CROATTO, As Linguagens da Experiência Religiosa - uma introdução à Fenomenologi da Religião. São Paulo: Paulinas, 2001).

Um comentário:

Jones F. Mendonça disse...

Dr. Osvaldo

Desde que encontrei o teu Blog por acaso, um novo horizonte se abriu para minhas pesquisas. Me formei há apenas um ano e tenho buscado meu próprio caminho. Atualmente meu interesse tem se voltado para a compreensão dos novos rumos da hermenêutica bíblica. Tenho evitado os livros com títulos do tipo "A leitura correta da Bíblia", "os perigos da hermeêutica bíblica", etc.

Encontrei três livros que me chamaram a atenção:

CROATTO, Jose Severino. Hermeneutica Bíblica. Buenos Aires, Lumen, 1994.

LOHFINK, Gerhard. Ahora Entiendo la Biblia. Madrid, Ediciones Paulinas, 1977.

SCHOKEL, Luis Alonso. Apuntes de hermenéutica. Ed. Trotta, Madrid, 1994.

Notei semelhanças entre o que dizem esses três autores. Há relação entre o pensamento do três? Caso positivo, há uma nome para esse tipo de hermenêutica?

Não quero ser inconveniente, mas caso possa me responder, ficarei muito grato.

Ah, sobre o seu texto, não estaria Croatto utilizando a definição de símbolo dada por Carl Jung:

"Segundo entendo, o conceito de símbolo é bem diferente de um mero conceito de signo. Significado simbólico e semiótico são coisas bem distintas [...] O símbolo sempre pressupõe que a expressão escolhida seja a melhor definição ou fórmula possível para um fato relativamente desconhecido" (GW 6, §894).

Um abraço!