domingo, 14 de setembro de 2008

(2008/9) Dawkins e eu cremos igual


1. Não quanto ao ateísmo. Esse tipo de fé - ateísmo, teísmo - não posso mais sustentar. As metanarrativas religiosas, para mim, posso assumi-las, apenas, na consciência nua e crua do mito, e mito conforme o entendemos a partir das Ciências Humanas: nem "mentira" nem "verdade", tão somente "instrumento". No quesito mito teológico, padeço cada vez mais de um solipsismo noológico, e vou-me dando conta de que só o poderei manejar, doravante, no nível da conciência, por meio do regime do tipo "amigo imaginário". Assim, Dawkins e eu não dialogamos bem no campo teológico - ainda que eu aceitaria parte de seu ferramental, até o limite da indemonstrabilidade de ambos partidos.

2. O que comungo com Dawkins é a crença no "real" - e, nesse caso, com todos quanto, conosco, comunguem com essa . Permito-me citá-lo: "na vida real, nenhuma dessas decisões é arbitrária. Nenhuma delas é, de fato, uma decisão e nenhum maquinário computacional é usado para que sejam tomadas. Elas apenas acontecem, naturalmente e sem alardes. A carne de inseto é simplesmente convertida em carne de filhotes de aranha e o fator de conversão de valores simplesmente é. Se resolvermos calculá-lo posteriormente, o problema é nosso. A conversão acontece automaticamente, a despeito de alguém registrá-lo em termos matemático-econômicos ou não" (Richard DAWKINS, A Escalada do Monte Improvável - uma defesa da teoria da evolução. São Paulo: Cia. das Letras, 1998, p. 78-79).

3. Eu me sinto em casa, lendo isso. Eu me sinto cada vez mais um pedaço desse Planeta, dessa História (Prigogine, Paty, Morin). Um dia fora enfeitiçado por Platão e Descartes, e cheguei a crer que algo dentro de mim não era desse Mundo. Nietzsche e Morin me permitiram ver que mesmo essa parcela noológica da minha existência - meu pensamento e tudo quanto decorre dele: sonhos, medos, mitos, emerge do consumo dos elementos da Matéria. Logo, sou filho, a ameba, o leão e eu, dessa Terra.

4. Gosto disso. É-me libertadora essa condição. Por isso, acredito, hoje, na História e nas Ciências. Também por isso, desgosto da Teologia que aí está - e nem tanto pelo fato de ela ser má, em grande parte, porque também a Ciência o sabe ser. Não é por uma questão ético-política que me tornei filho da História e das Ciências, mas por uma questão heurística, existencial, hierofânica - uma "revelação", se quiserem. A Teologia, bem como as tendências "hermenêuticas" de estilo gadameriano-vattimoniano-rortyano, têm "nojo" do "real", e, quando dizem gostar dele, é apenas um gostar dele nos termos em que seu mito ontológico-metafício-hermenêutico o desenha.

5. A Teologia e essa que se diz Hermenêutica não são compatíveis. Não são compatíveis com nenhuma das Ciências "duras", e forçam a passagem para dizerem-se compatíveis com as Ciências "moles". Quando o conseguem, quero dizer, parecer compatíveis com as Ciências Humanas? A meu ver, apenas quando também essas "Ciências Humanas" pretendem-se suficientes, ainda que em evidente contradição com a Heuríustica. Quando as Ciências Humanas e as Ciências da Natureza dialogam - o que nos leva às Ciências Cognitivas! -, Teologia e "essa" Hermenêutica-Programa-Cosmovisão perdem todas as suas bases heurísticas, e revelam-se no que são - fé descolada e incompatível. Fé alguma vez escamoteada, outras, bravamente assumida.

6. Teólogo - ai - que sou, só me resta refletir a respeito de uma Teologia que seja - verdadeiramente - Ciência Humana. Não - ela ainda não existe. Ensaia vôos aqui e ali, ao lado da Exegese histórico-crítico-social, mas os resultados ainda são instrumentalizados para as metanarrativas religiosas de fundo, como no caso de um Hans Küng entre Teologia a Caminho e Por que ainda ser cristão hoje? Fora dessa crise, a Teologia científica ainda não sentiu as dores de parto. Imagino que não haverá parto natural aí. Se ela vier a nascer, será por meio de um cesariana. Imagino que algo como a Revolução Francesa acabará ocorrendo. Essa Revolução, burguesa, eu sei, foi a condição histórico-material para que Iluminismo, Empirismo e Romantismo pudessem construir uma nova Civilização. Não fosse ela - didaticamente falando - não teriam passado de curiosidade de gabinetes.

7. Nasci numa encruzilhada, na fenda entre duas colossais placas tectônicas. Irreconciliáveis, são elas. A política tenderá a julgar-me radical, como se pudesse haver acordo quanto à distância entre a Terra e a Lua - a "verdade" científico-humanista não é uma questão democrática, nem se faz por meio de escrutínios. Se há algo democrático nas ciências é a condição igual de todos os homens e de todas as mulheres serem aptas à empresa (elas não são sacerdotais nem clericais - conquanto, na prática, a política universitária crie ordens e paróquias!). Mas a "verdade" científica, essa independe da maioria (e da minoria), ainda que a maioria possa postergar indefinidamente - definitivamente? - uma "verdade".

8. Nesse momento, o "real" funciona, independentemente de mim. Ele estava aí, antes de mim, e aí permanecerá, depois que eu me for - aliás, quando eu voltar para ele, fundir-me com seus vaga-lumes quânticos. Nesse momento, células minhas trabalham, sem saber, "para mim". Mesmo eu funciono independentemente de mim. Meu "eu" são-me muitos. Mas Eu sou só uma pequena, ínfima, infinitesimal parcela de meu próprio mundo-eu. E, contudo, sou mesmo um só.

Osvaldo Luiz Ribeiro

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