quinta-feira, 4 de setembro de 2008

(2008/7) Croatto - Teologia 1 x 0 Fenomenologia da Religião


1. Uma das disciplinas que leciono - uma das que mais gosto, porque foi, de longe, a mais importante em minha formação acadêmica (e, por que não confessar: também, para a compreensão racional de minha existencialidade mística) - é a Fenomenologia da Religião (FR). Passei horas e horas lendo Eliade. Em classe, tenho usado Croatto.

2. O livro de que me utilizado é As Linguagens da Experiência Religiosa - uma intodução à Fenomenologia da Religião. Tem méritos - caso contrário, não o utilizaria. Mas há momentos em que o livro deixa de constituir-se sob o regime da FR - a Teologia, sub-repticiamente, toma as rédeas.

3. Um momento de - a meu ver - formidável acerto fenomenológico-religioso de Croatto é quando ele afirma que "o lugar da hierofania é, na realidade, o próprio ser humano" (p. 60). Perfeito! Essa afirmação remete àquela outra de Mircea Eliade: "o 'sagrado' é um elemento da estrutura da consciência'" (Origens).

4. Uma página antes, contudo, Croatto resvala para a Teologia. Uma boa Teologia, uma má FR. "Na hierofania, pode-se diferenciar três elementos: uma criatura (por exemplo, uma árvore), a Realidade invisível e aquela mesma criatura que, por ser mediadora, reveste-se de sacralidade" (p. 59).

5. Trata-se de uma péssima FR. Primeiro, porque Croatto fez desaparecer o "sujeito", o mesmo que, na página seguinte, ele afirmará ser o topos da hierofania. Mas, aqui, quando quem fala, sub-=repticiamente, é o "teólogo" Croatto, o sujeito sumiu. Sumiu aqui como sumniu na fórmula teológica de Tillich: "Deus é símbolo para Deus" - o que Tillich esconde é o sujeito que, ao mesmo tempo, "cria" os dois.

6. Trata-se de uma péssima FR, porque Croatto aponta para "a Realidade invisível". Ora, isso a que Croatto se refere como "a Realidade invisível" não constitui uma objetividade, mas o resultado interpretativo e criativo da "experiência do sagrado" - experiência de consciência, sem conteúdo, que exige do "hierofante" a "invenção" da narrativa que dê conta da "experiência". O sujeito religioso - que Croatto fez sumir - contaria, em seu relato sobre sua experiência, que ele viu alguma coisa que, vindo de algum lugar, apareceu na árvore, e depois sumiu, e ficou só a árvore, agora, sagrada". É o sujeito religioso, apenas, que "vê" o que ele traduzirá, a seu modo e cultura, por meio do símbolo que lhe melhor parecer adequado. Mas a FR não vê nada.

7. Trata-se de uma péssima FR, porque Croatto é capaz de falar de uma árvore mediadora - sua faculdade de ser medium e que a torna sagrada. Mas "mediadora" para quem, se Croatto fez sair da cena hierofânica o seu único fundamento - o sujeito?

8. Para salvar o parágrafo, Croatto deveria ter dito que falaria a partir da perspectiva do sujeito, não da FR. Mas, como abduziu o pobre hierofante e lhe roubou a própria experiência, só resta-me admitir que Croatto pensa falar fenomenologicamente - mas, então, equivocadamente fenomenologicamente.

9. Para falar de forma adequadamente fenomenologicamente, Croatto deveria dizer que há dois elementos na hierofania: o sujeito e o objeto. O mais é interpretação e criatividade incontornáveis do sujeito. E é o que ele dirá mais adiante: "cada mediação revela (má palavra!) uma modalidade do sagrado e uma situação particular do ser humano com respeito a ele" (p. 71). Aí estão os dois únicos elementos da hierofania com que a FR pode - o sujeito e a mediação. Se substituirmos o verbo "revela", teologicamente suspeito, por "permite a interpretação de" (é a consciência do sujeito que "manifesta" o sagrado, é o sujeito que o interpreta), resultaria muito boa essa síntese programática - e "revelaria" que, na p. 59, Croatto permitira-se o descuido do ri9gor terminológico, do foco epistemológico, posto que, lá, fala como teólogo, posição em que se encontra tão à vontade que não se deu conta, nem na revisão do livro, de que, ali, pecava contra a FR.

10. Por isso, recomendo, ainda a obra, mas com a seguinte ressalva grave: todo o Capítulo II - A Experiência Religiosa: descrição e implicações (p. 41-79) deve ser lido muito criticamente, com severas correções em vários pontos. Hoje, durante a aula, um aluno chegou a perguntar por que cargas d'água, então, eu recomendara um livro que, a todo tempo, eu corrigia. Respondi que o livro, como um todo, tem vantagens - seus capítulos sobre o simbolo, o rito e a doutrina são muito bons, e, particularmente, o sobre o mito, é extraordinariamente bom. De mais a mais, não se lê um livro para enfiar na cabeça cada sentança sua. Lê-se criticamente. Esse Croatto, também.

Osvaldo Luiz Ribeiro

Nenhum comentário: