terça-feira, 26 de agosto de 2008

(2008/3) Não "esse" mito - mas o mito

1. Jimmy acabou de sair. Foi tratar uma dor e uma febre. Os dois, esfriar a cabeça. Uma longa e agradável conversa, ainda que cansativa, posto que demandou muito de nós, sobre mito e cultura, cristianismo e as saídas da modernidade.

2. Gadamer e eu, no fundo, estamos dizendo a mesma coisa? Quando Gadamer afirma a cultura como "mito", mas assenta, ainda assim, a tradição - também como mito -, ele não está, afinal, fazendo o mesmo que eu?, ou, seria melhor dizer, eu, a mesma coisa que ele?

3. É ler de novo Gadamer. Não saberia resolver essa questão agora. Mas uma coisa deve ficar clara. Minha postura é alguma coisa para além e a partir de Nietzsche e Morin, os dois, somados, e para além dos dois. Assumo a presença inexorável do mito, mas me recuso a assumir qualquer uma concretização deles, mesmo as minhas, como "o estar aí". Nada de viver dentro de mitos como se fossem, afinal, coisas, esses mitos, esses, e não outros, as narrativas desses mitos, não eles em si, seus conteúdos, seus discursos, seus mundos, regiões incontornáveis, como se o ser do homem e da mulher ocidentais fosse, por exemplo, o ser cristão - falácia, já que, ser cristão, então, é, antes, ser grego, e, antes disso, vai-se saber. Escolher um ponto de partida para dar de ombros é arbitrário.

4. Contudo, assumir, como Nietzsche e Morin, que não há modelos, nem certezas, apenas uma longa estrada aberta e escura pela frente, e assumir que caminhar por ela - mesmo ela! - só é possível no mito, dizer isso não é a mesma coisa que dizer que esse mito aqui, ou aquele, o cristão, ou o ocidental, seja qual for, deva ser o mito para essa travessia, nem que, mito por mito, tanto faz então que seja esse em que nos descobrimos atolados.

5. O que me parece real é que, caramujos, segregaremos gosma eternamente. Mas a cor dela, seu cheiro, sua textura, seu gosto, isso dependerá de nós, das negociações históricas, da criatividade, da coragem, da abertura.

6. Tenho consciência das repercussões políticas dessa proposição existencial. Sei que ela derruba todos os fundamentos retóricos dos últimos dois mil e quinhetos anos. Mas não estou disposto a repetir a retórica alternativa da manutenção de determinados mitos - o do Soberano, por exemplo - como solução para o medo da dissolução das instituições ou a emergência da barbárie. Teologia e Política estão juntas a tanto tempo que sinto o cheiro da necrose no ar - e, contudo, a sociedade, não.

7. Que seja. Posso viver solitário, conquanto negocie relações sociais. Esse não é o problema. O problema é intuir que o útero vai esgarçando, as contrações, acelerando-se, as dores, multiplicando-se, mas os homens, ah, esses não querem, não, nascer.

8. É frio e solitário aqui fora. Felizes os que têm sacerdotes a lhes ninar mitos ao colo.

9. Jimmy, fica bom logo. E vamos, de novo, beliscar os calcanhares do diabo.

10. Bel, te amo.

Osvaldo Luiz Ribeiro

Um comentário:

Felipe Fanuel disse...

Gostaria de fazer parte de um bate-papo assim, mesmo que saísse com dor-de-cabeça e febre.

Um abraço.

P.s.: Acabei de incluir Devarim e Noologia nos links do meu blog.