1. Conceito relevante para a Fenomenologia da Religião, o símbolo consitui um tema delicado. Tenho dúvidas quanto à procedência da definição com que Croatto trabalha em sua Introdução á Fenomenologia da Religião.
2. Croatto se aproxima do conceito de símbolo, ladeando-o por meio de uma aproximação aos conceitos de metáfora, alegoria e signo. Bem, metáfora é uma "comparação forte" - em lugar de eu dizer "esse homem é bravo como um leão", eu digo, mais diretamente, "esse homem é um leão". A alegoria, por sua vez, consiste num dizer novo como se sustentado por uma base escriturística antiga - não é por outra razão que está relacionada, na origem, à interpretação "folosófica" da tradição grega, tendo por "critério" o risco a que se submeteu a crítica filosófica de Sócrates, bem como sua condenação à morte. Trata-se, pois, de dizer coisas novas, como se fossem aquelas antigas - para as fazer, a essas coisas novas, críveis àqueles que crêem nas coisas velhas. Já o signo, por sua vez, consiste numa presentificação da idéia evocada - uma logomarca, por exemplo, ou o desenho de um chapéu na porta do banheiro de uma repartição.
3. O que há de comum entre metáfora, alegoria e signo é que tanto quem usa, quanto para quem se usa, conhecem a coisa simbolizada e a figura ou a idéia simbolizante. Se eu digo "esse homem é um leão", e não sei nem o que é homem nem o que é leão, então não disse nada. O mesmo vale para a alegoria e, ainda mais, para o signo.
4. Ora, Croatto quer-me fazer crer, que, contudo, o símbolo, diferentemente da metáfora, da alegoria e do signo, remete-se ao "desconhecido". Que ele mesmo o diga: "o símbolo diferencia-se do signo, tanto quanto da metáfora e da alegoria, por 'remeter' a algo desconhecido'" (p. 98). Na seqüência - "no âmbito da experiência religiosa, o não-conhecido em si, como é o Mistério, é captado, experimentado, intuído, no claro-escuro do símbolo". E, ainda, "o símbolo, profano ou religioso, supõe vivências conscientes e autoconhecimento" (p. 99).
5. Já o disse uma vez - quando a Teologia investe "sobre" o símbolo, não poucas vezes acaba por instrumentalizar o conceito - resultado, perde-se a Teologia, perde-se o símbolo. Veja-se o caso clássico de Paul Tillich. Em Dinâmica da Fé, ele afirmou que "Deus é símbolo para Deus". Aí, vejo duas inconsistências - uma própria de Tillich, e outra em relação ao símbolo como remissão ao "desconhecido". Na fórmula de Tillich, o sujeito teológico sumiu. A fórmula sustenta-se, apenas, por meio da "Divindade" e do "Símbolo". Mas nada se fala do sujeito religioso que intui o que, para ele, sujeito religioso, é a "Divindade", e que, também ele, criou, inventou, imaginou, o "símbolo" para aquela "Divindade". "Deus" (na fórmula, o segundo termo) é tão concreto e conhecido, para Tillich, que ele mesmo, teólogo, pode desaparecer, ao dizê-lo. Está-se aí, diante do Ser, Ser esse que se põe, que é sozinho e por si só - pura proposição teológica! -, ao passo que o crente, sujeito teológico, converteru-se em contingência desprezível e dispensável. Tillich, aí, é o contra-Feuerbach, o anti-Feuerbach, para quem Teologia é Antropologia. Para Tillich, esse, da fórmula, a Teologia dispensa a Antropologia.
6. Ora, e como Croatto pode afirmar, então, que o símbolo remete ao desconhecido? Se há algo desconhecido, sequer pensar nele é possível, quanto mais simbolizá-lo - nem mesmo é sabido se há algo desconhecido. O que Croatto chama de desconhecido, na verdade traduz a consciência teológica da existência do "Divino", que, nos termos da crença teológica, é de tal ordem - o Totalmente Outro - que, malgrado se revele (instrumentalização teológica da FR!), mantém-se ocultado (escrúpulos de conciência da teologia crente). Não há nada de fundamentalmente desconhecido, aí - pelo contrário: sabe-se, conhece-se a "Divindade", conquanto, com esse "conhecimento", co-surja a "revelação" de que ela, a "Divindade" é incomensuravelmente Maior e Além do que o "símbolo" pode dizer.
7. Eu diria que, aí, nesse arrazoado de Croatto, abandonou-se a Fenomenologia da Religião. Quem fala aí nem é - mais - Croatto: é a Teologia, Idéia encarnada, que, sem que disso se dê conta o sujeito teológico, é por ela arrastado na defesa dela. Não é boa essa FR. Conseqüentemente, para mim, não é boa, tampouco essa Teologia. A má FR nunca será tampouco boa Teologia. A má FR é o que é - má consciencia científico-humanista.
8. Se o sujeito religioso aplica símbolos a uma grandeza dada, é porque ele sabe que símbolo usar, que símbolo é adequado. Ele "sabe", ele "conhece", ele "vê" - ele até "ensina", "reproduz". Conquanto, naturalmente, não haja nada aí para ser "sabido", "conhecido" e "visto" que não a própria interpretação desse sujeito. Como o sabe Croatto - "o lugar da hierofania é, na realidade, o próprio ser humano" (p. 60). O símbolo é o laço do passarinheiro, com o qual o sujeito teológico captura sua presa. Presa sua e sua criatura.
Osvaldo Luiz Ribeiro
(Para as citações, cf. José Severino CROATTO, As Linguagens da Experiência Religiosa - uma introdução à Fenomenologi da Religião. São Paulo: Paulinas, 2001).